sábado, 14 de dezembro de 2013

mia me coutou, vinicius me ensinou a moral, clarice me cativou


toda girafa, toda cachaça de garrafa
toda piada pra ser gasta
toda despedida malacabada
toda parada assim, de festa bela em cidade arruinada
toda música deprê com foto de vinho

toda essa demonstração pequena de grandes tristezas
toda essa merda:
tem um pouco de só-e-cídio

saber sofrer direito,
solitude bem resolvida,
aprender a ser só em público,
entender que se é cheio de gente por dentro,
fazer um brinde no final dessa canção do disco reluzente que tem um balanço assim.
praticar o souicídio, e pronto.
e sê.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

especular
se sonham comigo
como eu sonho com os outros

segunda-feira, 8 de abril de 2013

“Eu não tenho nada para dizer e estou dizendo.”

um onda de comunicação


Resíduo - https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=SgeXz1SLGiw

De tudo ficou um pouco
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco

Ficou um pouco de luz
captada no chapéu.
Nos olhos do rufião
de ternura ficou um pouco
(muito pouco).

Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato
se cobriu. Ficaram poucas
roupas, poucos véus rotos
pouco, pouco, muito pouco.

Mas de tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
- vazio - de cigarros, ficou um pouco.

Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.

Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.

Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim? no trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
um pouco de mim algures?
na consoante?
no poço?

Um pouco fica oscilando
na embocadura dos rios
e os peixes não o evitam,
um pouco: não está nos livros.

De tudo fica um pouco.
Não muito: de uma torneira
pinga esta gota absurda,
meio sal e meio álcool,
salta esta perna de rã,
este vidro de relógio
partido em mil esperanças,
este pescoço de cisne,
este segredo infantil...
De tudo ficou um pouco:
de mim; de ti; de Abelardo.
Cabelo na minha manga,
de tudo ficou um pouco;
vento nas orelhas minhas,
simplório arroto, gemido
de víscera inconformada,
e minúsculos artefatos:
campânula, alvéolo, cápsula
de revólver... de aspirina.
De tudo ficou um pouco.

E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.

Mas de tudo, terrível, fica um pouco,
e sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob os túneis
e sob as labaredas e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito
e sob o soluço, o cárcere, o esquecido
e sob os espetáculos e sob a morte escarlate
e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes
e sob tu mesmo e sob teus pés já duros
e sob os gonzos da família e da classe,
fica sempre um pouco de tudo.
Às vezes um botão. Às vezes um rato.


pra que esse lugar seja um poço, um postal que eu encontro  e que vejo o que senti.preciso sempre saber que existe esse Drummond aqui.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

maré

 vulcão é um troço muito louco. 
 eu tenho mil erupções dentro do peito, e nunca pensei em dar esse nome à isso. 
 o fogo que me sai de vez em quando é sempre acionado pelas borboletas no estômago. 
 e nesse processo contínuo, a larva, quando endurece e petrifica por um tempo, 
tem a ver com o sal de fruta fervendo num copo d'água do Tom Zé. 
 porque por mais rocha que o peito esteja, 
ele esquenta de novo e tudo começar a amolecer mais uma vez, 
tal e qual um Eno guaraná. 
mas isso não faz do meu corpo, que é ninho, um líquido, um gelo mole. 
 o ninho de nós - de linha mesmo - que existe dentro do corpo, 
é o que nos borda os retalhos das reminiscências. 
não cai bem criar um lugar pras lamúrias. 
 por isso até os nós - de linhas, de novo - precisam do nexo das pedras. 
e não há calúnia alguma em dizer que endurecemos. 
precisamos ser vulcânicos mesmo, pra ressucitar eventualmente, 
de tempos em tempos. 
esquentar e esfriar, morrer e nascer, acordar e dormir, como a gente faz. 
a gente dorme pra paixão às vezes mesmo, que nem o Ojos del Salado dormindo lá nos Andes. 

 sobre a maré, 
 não tenho nenhuma filosofia barata não, 
não tenho nenhuma construção paradoxal e comparativa pra fazer não. 
só me gusta pensar em maré mesmo, sem pretenção. 
e a maré é ela mesma, sem delírios, sem música, sem filtro. 
maré é nome próprio de si mesmo, dando voltas na terra, vagando na minha cama.


"o meu coração é de pedra
dura. cinzenta, vulcânica.
o meu coração é de pedra.
pedra. simples pedra, cinzenta,
dura vulcânica, atlântica.

não sei o que fazer com a pedra.
com o coração, com o vulcão, com o atlântico.
pergunto-me até onde ir. haverá razão
para além do coração, cinzento, vulcânico, 
para o retransformar em espuma, líquida, 
branca, no meu coração de pedra, atlântica,
vulcânica?

a simples condição, sanguínea, branca,
semântica. como a palavra. o verso, o sentir vulcânico
atlântico."


 José António Gonçalves - A pedra, Coração Vulcânico